Por: Alessandro Buzo
* Entrevista originalmente publicada no Jornal Boletim do Kaos
Marçal Aquino lançou 13 livros e fez roteiro de alguns filmes, hoje trabalha com roteiro para TV, faz (com Fernando Bonassi) o Força Tarefa da Rede Globo, atualmente escreve a segunda temporada que vai pro ar em 2010.
Sua maior ligação com a periferia, foi o livro “O Invasar” que escreveu, depois fez roteiro pra cinema, no filme, conheceu o rapper Sabotage e o define assim: - Foi muito legal ter feito “O invasor”, ter convivido com o Sabotage, um puta artista, talvez a inteligência artística mais afiada que eu vi na vida.
Marçal Aquino se mostra uma pessoa tranquila, de habitos simples e bastante focado no trabalho, que demostra fazer por prazer, um cara que fez apostou em outras coisas, mesmo quando financeiramente falando não eram viaveis.
Um sonhador, na minha opinião como entrevistador, mas leia a entrevista e tire você suas conclusões.
Alessandro Buzo: Quem é Marçal Aquino ?
Marçal: Nasci em Amparo, no interior paulista, há 51 anos. Sou jornalista, escritor e roteirista de cinema e de televisão. Gosto muito de livros, mas muito mesmo. Tenho uma filha de 17 anos que mora comigo e com milhares de volumes. Escrevo porque tenho uma inesgotável curiosidade pelas pessoas, e escrever, para mim, é falar de pessoas que a gente gostaria que existissem.
Buzo: Frase sua: - Em cinema você depende de muita gente. O cinema necessariamente é coletivo. Comente............
Marçal: Enquanto a literatura é uma reserva de solidão, cinema é, necessariamente, coletivo. É uma frase auto-explicativa: ninguém faz cinema sozinho.
É impossível fazer o filme de cada pessoa. O que o diretor faz é o que de perto mais agrada a ele. Digo ‘mais perto’ porque ele também está sujeito a uma série de injunções, porque é coletivo, não depende só dele. Depende do fotógrafo, depende dos autores, do maquiador.
Buzo: Esse é mesmo o limite de um diretor ?
Marçal: O cineasta sempre é limitado pelas circunstâncias, a maioria delas de ordem material.
Buzo: Li que achava curioso porque o pessoal vai muito ao cinema e sai do filme dizendo : “o livro era melhor”. O pessoal vai ver teatro baseado em literatura e ninguém sai da peça dizendo que o livro era melhor. É só no cinema que isso acontece. Uma coisa curiosa…
Marçal: Nunca entendi por que as pessoas só falam do livro-matriz quando saem do cinema, em geral para falar mal do filme. No teatro, isso não acontece. Idiossincrasias, acho.
Buzo: Outra coisa, vc disse que escreve a mão, em caderno, ainda hoje é assim ?
Marçal: Sim, só escrevo literatura em cadernos. É um vício, uma cachaça. Não vejo graça em escrever direto no computador; já tentei, não gostei do resultado. Bom, depois de todos esses anos, no mínimo melhorei minha letra.
Buzo: Você nasceu em Amparo, no interior paulista, em 1958. Quando, como e porque veio pra cidade grande ?
Marçal: Cheguei a São Paulo no começo da década de 1980. Vim porque queria trabalhar como jornalista e escrever literatura.
Buzo: Você é jornalista, atuou como revisor, repórter e redator, com passagens pelos jornais O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde. Atualmente, trabalha como jornalista free-lancer. Como é trabalhar na grande mídia impressa ?
Marçal: A experiência como jornalista da grande imprensa, sobretudo o trabalho como repórter, foi fundamental para a minha literatura. Tive o privilégio de trabalhar no Jornal da Tarde, um reduto de escritores. Era um jornal que dava muito valor ao texto literário. Foi um baita aprendizado. Saí quando consegui criar condições para viver como free-lancer, visando a ter mais tempo para escrever meus livros. Um sonho, claro.
Buzo: O Prêmio Jabuti em 2000 foi importante, em qual sentido ? Só pelo reconhecimento ?
Marçal: O Prêmio Jabuti foi muito importante para minha consolidação como escritor. É um prêmio que, inegavelmente, tem altos respeito e reconhecimento. Bom, todo prêmio é importante porque, em alguma medida, representa distinção e reconhecimento de um trabalho.
Buzo: Que outros prêmios vc ganhou e destaca ?
Marçal: Destaco também o prêmio na Bienal Nestlé de Literatura, em 1990, que permitiu que eu, finalmente, publicasse o livro de contos “As fomes de setembro”, que estava pronto havia quase uma década, mas não tinha espaço nas editoras – o conto, depois de uma década de ouro nos anos 70, anda meio maldito entre os editores.
Buzo: Quantos livros você publicou e quais gosta mais ?
Marçal: Publiquei 13 livros até hoje. Não tenho um preferido, gosto de todos, pois, com eles, compreendo o momento da minha vida em que foram feitos.
Buzo: O Invasor no cinema, trouxe o rapper Sabotage e isso aproximou o filme do público periférico, como vê essa ligação ?
Marçal: A ambição de qualquer artista é falar com todas as camadas sociais, sem nenhum tipo de exclusão. E a gente sabe que o pessoal da periferia é deixado meio de lado, meio segregado. Foi muito legal ter feito “O invasor”, ter convivido com o Sabotage, um puta artista, talvez a inteligência artística mais afiada que eu vi na vida. E ter dialogado com um público inteiramente novo para nós todos que participamos do filme. Foi lindo.
Buzo: Conhece a cena literária periférica ? O que destaca ?
Marçal: Impossível conhecer tudo que se produz atualmente, tanto no centro quanto na periferia. A merda é que falta tempo pra tanta coisa. Então a gente vai lendo os caras do jeito que dá. Mas conheço e procuro acompanhar o trabalho do Ferréz, do Sacolinha, do Sérgio Vaz, que são grandes batalhadores.
Buzo: Você faz roteiro de textos de sua autoria (Os Matadores, Ação entre Amigos, O Invasor e O amor e outros objetos pontiagudos), é mais fácil ou mais complicado ?
Marçal: Em se tratando de adaptação, confesso que não vejo muita diferença em trabalhar com um livro meu ou de outro autor. Afinal, quem quer fazer o filme – e tem uma visão desse livro – é o diretor. Meu trabalho é auxiliar tentando botar no papel essas idéias dele combinadas com as minhas.
Buzo: Quais roteiros originais vc fez, lembro de NINA ?
Marçal: “Nina” é o único roteiro original que escrevi até hoje, em parceria com o Heitor Dhalia. Todo os outros roteiros com os quais me envolvi, com exceção do seriado “Força-Tarefa”, que escrevo com o Bonassi, têm matriz literária.
Buzo: Voltando à Literatura, comente seu primeiro livro "Por bares nunca dantes naufragados" ?
Marçal: “Por bares nunca dantes naufragados”, publicado em Campinas, em 1985, dá conta do período em que pensei que poderia escrever poesia. O problema é que, aquilo que eu chamava de poemas, tinha trama, personagens, situações. Era prosa presa num certo formato poético. Então, logo depois desse livro, vivi uma "crise", deixei de lado qualquer veleidade poética e passei a dedicar todo meu esforço à prosa, o que, como sabe qualquer pessoa que escreve, já é uma façanha.
Buzo: Você é boemio ?
Marçal: Já fui boêmio, há alguns anos, até por ter trabalhado na noite, como jornalista. Hoje em dia vivo mais recluso. Saio muito pouco, mais pra ver os amigos. Atualmente, o único bar que freqüento é a Mercearia São Pedro, na Vila Madalena.
Buzo: Você disse que literatura nasce na rua, da observação das grandezas e indigências de que é capaz a maravilhosa espécie humana. Sempre é isso, algo do real ? Observação ?
Marçal: Faulkner dizia que literatura é “observação, imaginação e experiência”. Acredito nisso. Acho que cada um desses itens tem seu peso naquilo que escrevo. A observação é muito importante. Vários textos meus nasceram de algo que vi, ouvi ou presenciei no dia a dia. Mas a imaginação tem também um papel fundamental no negócio. E também a experiência vivida. Enfim.
Buzo: Você se entrega à prosa, porque não escreve poesias ?
Marçal: Não escrevo poesia por três razões: a) não sou poeta; b) por higiene; c) por respeito aos poetas verdadeiros que leio, gente como Drummond, Bandeira, Murilo Mendes e Jorge de Lima.
Buzo: “Textos encomendados”, de assuntos que estão em evidência, te atrai ?
Marçal: Eu nem chego a ter drama nenhum com os convites que recebo para textos de encomenda, porque sequer posso pensar em aceitá-los, já que trabalho absolutamente concentrado nos roteiros do “Força-Tarefa”.
Buzo: Você tem vários livros publicados e faz roteiros de filmes, vive disso, ou do trabalho de Jornalista Free Lance ?
Marçal: Literatura raramente dá dinheiro, ou dá muito pouco para poucos. Mas é impossível viver sem fazer. O cinema também é meio economicamente inviável. Vivo hoje do meu trabalho como roteirista de televisão, assim como já vivi do meu trabalho como redator free-lancer. Nunca vivi de literatura ou cinema. E isso não me deixou infeliz nem me fez abandonar qualquer uma dessas atividades.
Buzo: Você trabalhou em Força Tarefa da Globo ? O que achou da série ?
Marçal: Ainda trabalho no “Força-Tarefa”. Neste momento, escrevo com o Bonassi os episódios da segunda temporada, que irá ao ar no ano que vem. Tem sido uma experiência maravilhosa e um dos maiores desafios que já enfrentei na vida.
Buzo: Com o livro "Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios" você comemorou 20 anos da primeira publicação, comente essas duas decadas de carreira, o que destaca, o que não queria nem lembrar ?
Marçal: Eu não me arrependo de nada que escrevi. E algumas das coisas que escrevi me deram muitas alegrias. Acho que é um saldo e tanto.
Buzo: Li esse livro (Eu receberia........), de onde surgiu a idéia da história de Lavinia e Cauby (Igual o cantor ?)
Marçal: Surgiu daquele lugar misterioso de onde surgem todas as minhas histórias. Eu também não sabia nada daquilo enquanto ia escrevendo. Escrever, para mim, é descobrir. Foi uma grande experiência ter contado essa história de amor, que era uma coisa que eu queria fazer fazia tempo e nunca dava certo – comecei o “Cabeça a prêmio” achando que era uma história de amor, imagine.
Buzo: 3 filmes nacionais que você gosta muito, acima da média ?
Marçal: Gosto muito do “Assalto ao trem pagador”, do Roberto Farias, que é um filme esplêndido na rara filmografia policial brasileira. Gosto do “Toda nudez será castigada”, do Jabor; gosto do “Copacabana me engana”, do Antonio Carlos Fontoura. Pena que você só me pediu três; há centenas de filmes brasileiros que amo com paixão.
Buzo: 3 livros ?
Marçal: “São Bernardo”, do Graciliano Ramos; “O cobrador”, do Rubem Fonseca; “Um copo de cólera”, do Raduan Nassar.
Buzo: 3 autores ?
Marçal: Wander Piroli, Domingos Pellegrini e Luiz Vilela.
Buzo: 3 cinestas ?
Marçal: Stanley Kubrick; Michael Haneke e Martins Scorsese.
Buzo: Um sonho a realizar e outro realizado ?
Marçal: Realizo meu sonho todos os dias quando escrevo.
Buzo: Como é seu dia a dia, Marçal Aquino no cotidiano ?
Marçal: Meu cotidiano é bem comum. Acordo cedo, minha filha vai pro colégio, preparo meu café, chega o Bonassi, começamos a trabalhar e vamos até a tarde, parando para um almoço rápido. À noite, cuido de outros assuntos que me envolvem. Ou então gosto de ler ou de assistir a um filme com a Lorena, minha namorada. É mais ou menos essa a minha rotina.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
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