Entrevistamos o Juninho do CICAS, que sofreu pressão para deixar o local onde executa suas atividades e assim como no "caso Manos e Minas" eles fizeram pressão e reverteram.......
Vamos conhecer mais desse coordenador do CICAS....por Alessandro Buzo
Juninho do CICAS
Alessandro Buzo: Juninho, como e quando foi sua ligação com a cultura ?
Juninho: Meu primeiro contato com a cultura veio através da música, aos 19 anos, quando formei uma banda de rock onde buscava expressar alguns desabafos e expor nas composições a realidade e dificuldades que enquanto jovem, eu e tantos iguais enfrentávamos. Mas como optei pelo rock’n’roll, e o acesso a equipamentos de primeira estava longe da minha realidade, muitas das pessoas não entendiam uma virgula do que eu cantava, com isso fui criando alternativas de expor meu pensamento nessa caminhada, produzindo zines, declamando em saraus e a partir daí, o contato com diferentes formas de expressão foi ampliando minha visão e curiosidade no meio cultural e literário.
De onde você é, onde cresceu ?
Juninho: Sou natural de São Paulo mesmo, fui criado com minha irmã pela minha mãe, morei 23 anos em Itaquera, zona leste, mas cresci praticamente na zona norte, solto entre os bairros do Parque Edu Chaves, Jd. Brasil, Vila Sabrina e Vila Maria, onde moro atualmente.
Como vê a cena dos saraus na cidade de São Paulo?
Juninho: Nos últimos anos tem crescido a procura e a exposição dos saraus de São Paulo de maneira impressionante, através de programas de incentivo, facilidade de acesso a Internet, entre outros fatores, as comunidades literarias estão aparecendo e trocando informação. Desmistificando aquela antiga imagem de que literatura é coisa chata, coisa de gente estudada, coisa apenas de livro... O Sarau é a literatura viva, com pernas e voz, expressões e emoções... Percebo que entre os escritores, ainda nos dividimos em classes... tem o sarau da “elite” e tem o sarau das “periferias”, isso é ruim mas é fato, mas independente disso, fico feliz vendo circular tanta informação e convites novos, fico feliz por ser bem recebido em qualquer sarau, fico feliz em descobrir que cada sarau sustenta uma identidade, sempre em busca do mesmo fim.
Projeto CICAS, como e porque surgiu ?
Juninho: O CICAS é o Centro Independente de Cultura Alternativa e Social, fundado em março de 2007 em parceria com outro musico e escritor (Humberto Fonseca/ o Bebeto CICAS) e surgiu a partir da nossa necessidade (enquanto artistas) de um espaço para desenvolvermos e apresentarmos nossos trabalhos na nossa quebrada. Tínhamos conhecimento que o local onde hoje abriga o projeto CICAS, estava abandonado tanto pelo poder público quanto pela própria população há mais de 15 anos, quando iniciamos um trabalho de planejamento e pesquisa na região, até darmos inicio ao trabalho braçal de recuperação do espaço, onde durante todo o processo, as crianças, a comunidade, outros artistas, iam chegando, querendo saber, querendo somar e a partir da junção de todas as propostas e necessidades encontradas é que o CICAS foi tomando forma e vive até hoje essa constante evolução, tudo a base da troca, do voluntariado, da ação comunitária e principalmente do fortalecimento e valorização dos coletivos e indivíduos ativistas culturais independentes.
Quais as atividades do CICAS ?
Juninho: Inicialmente, fomos implantando as atividades abertas ao publico de acordo com as condições fisicas do espaço, sem água e luz, desenvolvíamos sarau a luz de vela, intervenções na rua, capoeira e trabalhamos bastante na recuperação do solo, plantio e questões de re-educação ambiental, sempre visando aproximarmos o contato com a comunidade local. Hoje, com alguns projetos e parcerias já firmados com a Secretaria de Cultura, o CICAS abre as portas para o Cinema, Biblioteca, Studio de Gravação e Ensaio para bandas e grupos musicais, Teatro, Dança do Ventre, Capoeira, Aulas de Inglês, de iniciação Musical, oficinas ambientais, oficinas de áudio visual, além de grandes Festivais Culturais com Shows e Espetáculos que trazem como proposta principal a diversidade, a miscigenação das artes e outras ações sociais como almoço Comunitário, palestras e debates educativos e outras campanhas. Estando sempre aberto a novas propostas de ocupação de espaço por outros coletivos de mesmo cunho e objetivo cultural.
Como está o caso de terem tentado expulsar vocês do espaço que ocupam ?
Juninho: A Sub-prefeitura da região, que durante os 3 anos negou a responsabilidade sobre a área, chegou ao espaço em junho deste ano, com ordens de remover o espaço para a revitalização da praça onde esta construído o galpão do CICAS, alegando que a construção era irregular e que nós ocupávamos “ilicitamente” o local. Alegaram não saber da existência do nosso projeto, mesmo com parcerias firmadas e reconhecidas pela própria prefeitura, através da Secretaria de Cultura, como o Programa VAI por exemplo, lei de incentivo a iniciativas culturais em 2009. Com base nessas informações eles chegaram a nos despejar do espaço retirando todo nosso patrimônio sob ameaça de demolição no dia seguinte. Recorremos a todos os caminhos possíveis de defesa, desde parlamentares, advogados, engenheiros, a mídia, mobilização comunitária, até o Ministério publico para conseguirmos um primeiro dialogo, que impediu a derrubada e abriu campo para a regularização definitiva do espaço, tudo isso depois da interferência direta do próprio secretario de Cultura do Município e a exposição na grande mídia através da reportagem no Proteste Já do CQC. No momento os procedimentos são burocráticos e estamos encaminhando toda documentação necessária, contamos ainda com apoio do Lab-Cidade – da FAU USP, que esta desenvolvendo esse projeto formal em parceria com o CICAS.
Imagina se o CICAS não ocupar esse espaço, o que vai acontecer como ele na pratica, no dia a dia ?
Juninho: Confesso que no calor do confronto, quando vieram com a policia e a ignorância junto, eu não senti nada, absolutamente, um vazio, lembro quando carregava cada item nosso jogado na rua, sabendo que cada objeto insignificante daquele carregava uma historia do CICAS, parte da contribuição de alguma pessoa, ... Mas o vazio do peito, não chegava nos olhos que por momento algum enxergou um fim pra situação. Se não ficássemos no espaço, com certeza iríamos pra cima de um novo CICAS, o fundamental a gente carrega no sangue e insiste nele, artista da periferia é assim, nasce pronto pra enfrentar barreiras e preparado pra cair, mas desistir não.
Como viu a mobilização de vários em prol do CICAS ?
Juninho: Foi impressionante a dimensão da mobilização, vi o CICAS em todo lugar, pessoas chegavam por lá pela primeira vez na vida e era como se eu as conhecessem a tempos, a energia que cada pessoa que fez parte da mobilização e da resistência trazia era indescritível, e a coisa tava além do CICAS, muita gente presente estava em situação semelhante em outros locais, enfrentando a opressão do falho poder publico, que não tem sensibilidade nenhuma com os artistas organizados, com a cultura em geral, e tampouco tem conhecimento das reais necessidades das comunidades periféricas.
Recentemente a TV Cultura voltou atrás no caso do fim do Manos e Minas, depois de uma mega repercussão/mobilização, a periferia está aprendendo a contestar ?
Juninho: Ahhh! Com certeza, a periferia aprendeu a contestar e está aprendendo bastante coisa, ficamos felizes pela repercussão em defesa dos bons programas da Cultura, é um direito a menos pra gente perder, e um exemplo a mais de que a Mobilização funciona, a gente é criado numa cultura do medo, onde quem manda é a maquina, e quando precisamos enfrentar algo, esquecemos que a tal maquina é composta por seres errantes e mortais como qualquer um. Acredito que caminhamos para um futuro melhor, mas se ficarmos esperando que façam por nós, que entreguem pronto... principalmente por “aqui”... só ficaremos esperando até cansarmos de viver.
Um filme ?
Juninho: A espera de um milagre, é um que marcou minha infancia e traz no titulo uma sugestão que vai de encontro com a resposta anterior...
Um livro ?
Juninho: O Livro que mais li na vida foi o Assim Falava Zaratustra, do polemico Friedrich Nietzsche, que busca a superioridade do ser humano, numa doutrina fora dos sistemas atuais de controle pelo poder.
Quem é o Juninho no dia a dia ?
Juninho: O Juninho é o mais o tranqüilo dos homens, sempre rindo, poeta, fala mansa (comparado aos gritos monstruosos na banda de hardcore), tenho dois filhos, o João fazendo 6 anos, e o Pablito de 7 meses, mais uma vozinha que mora comigo de 93 anos, a Maria minha esposa, divide essa responsa comigo, entendendo todos os corres, todo meu sacrifício de tempo dividido entre a família, a casa, o trampo, a banda, o CICAS, os estudos que não podem parar e o planejamento futuro, de novos projetos, da escrita... enfim. O Juninho no dia a dia é quase tudo que está a seu alcance, tentando aproveitar cada situação e sonhando com o regitro e continuidade de tudo isso.
Considerações finais ?
Juninho: Quero apenas agradecer a essa oportunidade e contato, agradecendo também a todos que fizeram e fazem parte da caminhada cultural brasileira, temos que expor nosso orgulho nas artes e assim continuaremos contaminando novos corações de esperança real.
Luiz Carlos Sendro Junior (Juninho13)
nascido em 20 de agosto de 1983.
Sede do CICAS
CONTATO: projeto.cicas@gmail.com
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
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