Ela atua tanto no Hip Hop que até parece que mora no eixo Rio-SP, mas não.... Jéssica Balbino é de Poços de Caldas-MG.
Além de pesquisadora e escritora, agita eventos, faz assessoria de imprensa de grupos como o Inquérito e entra nas lutas mais difíceis, sofre com isso, mas diz que "vale a pena"....
É gorda e luta contra a GORDOFÓBIA, é mulher, feminista é claro.... entre outras.
Falamos de tudo isso e um pouco mais com ela, vamos conferir ?
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Alessandro Buzo: Você lê muito, quantos livros leu em 2015 ? Indique um que gostou muito?
Jéssica Balbino: Olha, eu leio menos do que eu gostaria, viu! Eu tô estudando, então eu li muitos livros acadêmicos, que acabei nem listando. Dos que eu li como entretenimento mesmo, foram 38 em 2015, mas já teve ano de eu ler quase 70 (risos). Entre os que eu mais gostei neste ano estão “O livro dos negros” (Lawrence Hill), que é narrado por uma personagem feminina, criança na África, que foi escravizada e levada para os Estados Unidos. Toda a vida dela é narrada desde a infância, com os pais, até a morte, lutando pela abolição em Londres. Vale muito a leitura para quem quer conhecer mais sobre os navios negreiros, a forma como os senhores tratam os escravos, as lutas mesmo para quem consegue fugir. Enfim, foi um livro que mexeu muito comigo. Indico também os livros da Chimamanda Ngozi Adichie. Ela é muito querida já no Brasil. Em 2015 eu li “Americanah” e “Meio Sol Amarelo”. Gostei de ambos, mas “Meio Sol Amarelo” trata da guerra na Nigéria e é bem bonito. Mostra, principalmente, como os problemas com dinheiro, guerras e sangue não podem afetar o que somos. As protagonistas são duas irmãs.
Alessandro Buzo: Algum plano pra lançar um novo livro seu em 2016 ?
Jéssica Balbino: Ah! Eu tenho muita vontade de publicar algo, mas ainda não tenho nada pronto. Eu escrevo bastante, mas são mais reportagens ou ensaios. Talvez eu reúna isso numa publicação, mas eu tô bem focada em terminar minha pesquisa sobre as mulheres na literatura marginal/periférica.
Alessandro Buzo: Você postou fotos sua de biquíni na praia e a liberdade de ser "gorda" e ter esse direito, eu sou gordo também, qual foi a repercussão ?
Jéssica Balbino: Durante muito tempo, eu sofri por ser gorda. Eu tentei emagrecer, fiz todas aquelas dietas malucas, chorei em silêncio, em público, me privei de muita coisa, mas, faz uns anos, entendi que não precisa ser assim. Eu sou gorda por um fator genético e não existe dieta no mundo que mude isso. As pessoas tem mania de achar que pessoas gordas comem muito, são preguiçosas, porcas, entre outras coisas, e isso não é verdade. A maior parte das pessoas gordas são assim por uma característica genética. E como eu vou brigar com uma minha genética. Eu não como muito, eu pratico exercício, eu sou saudável. É o mesmo que um negro querer ser branco. Ele só vai se machucar.
Quando eu entendi isso, percebi que eu já era muito do que eu gostaria de ser como pessoa, como profissional, e que, agradando o padrão estético da sociedade ou não, eu sou o que sou gorda. Peso 120kg, tenho estrias, celulite e eu tinha duas opções: ser feliz comigo mesma, ou guerrear contra eu mesma. Eu escolhi ser feliz.
Nunca antes na história desse país (risos), se falou tanto em gordofobia, pressão estética e feminismo, e está tudo interligado. Eu já postava fotos de biquíni desde a época do Orkut, quando o Facebook e o instagram nem existiam, mas, não faziam tanto barulho. Neste ano, fui pra Cuba e quando voltei, resolvi postar as fotos, acompanhadas de textos sobre isso. É um contrate muito grande, porque enquanto meus “amigos” compartilham fotos de shakes, dietas milagrosas, se matando na academia e nas corridas, e outros compartilham piadas com fotos de mulheres gordas, eu estou feliz da vida, de biquíni, na praia, vivendo, construindo, etc. Então, é também uma provocação de valores. Teve uma foto em que eu escrevi: como devem sofrer as pessoas que são escravas do próprio corpo me vendo com a barriga grande de fora sendo feliz no Nordeste. E é isso. Não quero julgar o estilo de vida de ninguém. Mas eu optei por não ser escrava e luto sim, pelo fim das piadas, da ridicularização, etc. Porque, embora eu esteja bem, existem problemas sociais que afligem os gordos: as cadeiras são pequenas, as privadas também. Os assentos no avião são minúsculos, a roleta do ônibus impede uma pessoa gorda de passar. E isso tudo por quê? Porque os estereótipos são reforçados. As pessoas gordas são rechaçadas o tempo todo. A gordofobia mata quem não tem autoestima, quem não consegue se encaixar no padrão. E fica a reflexão: quem consegue ser perfeito para estar no padrão doentio criado pela sociedade? Ninguém!
Tenho estado muito engajada nessa frente. Tenho me empenhado em chamar a atenção para este fato. Uma pessoa gorda e feliz incomoda a sociedade. Incomoda quem vive na busca frenética pelo corpo ‘perfeito’. Meu corpo é perfeito. Ele é saudável e isso é tudo. Eu me sinto bem e bonita assim.
Por outro lado, há quem se incomode tanto com isso, que usa um discurso de falsa preocupação com a saúde para justificar a gordofobia. Eu posto uma foto na praia, de biquíni e a pessoa comenta: obesidade é doença. Sim. Obesidade é uma disfunção do organismo, mas não quer dizer que eu vou morrer por estar ‘acima’ do peso. Significa apenas que meu metabolismo não funciona como o de uma pessoa magra. Quando alguém diz isso, parece que gordos comem mal, quando dos 7 dias da semana, em pelo menos 5 eu almoço coisas saudáveis. Entende? Aí vem a pessoa dizer que ela está preocupada com a minha saúde. Sério mesmo? E por que ela não se preocupa com a minha queda de cabelo? Comigo quando eu tive depressão? Com as crianças que morrem de câncer todos os dias? Ninguém está preocupado com a saúde de ninguém. As pessoas estão incomodadas com os corpos das outras, especialmente se este for um corpo gordo se divertindo na praia.
Alessandro Buzo: Você é ultra, mega engajada em várias frentes, alguma vez isso te cansa, pensar em deixar pra lá?
Jéssica Balbino: Sim. Eu penso em abandonar várias coisas todos os dias. Há momentos em que eu fico esgotadíssima. Porque eu trabalho muito. Como jornalista, nunca tive uma rotina normal, em dias normais da semana. Sempre trabalhei em feriados, dias santos, finais de semana, e isso me tornou meio que ‘workaholic’. Sou uma pessoa que tem dificuldades para relaxar e se divertir. Eu tô sempre enxergando trabalho, sempre enxergando onde posso e devo militar. Mas, não sei ser diferente. Eu tento focar, tento diminuir o ritmo, estabelecer prazos e prioridades, mas nem sempre eu consigo. É um conflito muito grande comigo mesma. Isso me afasta de ‘amigos’, de pessoas, enfim. Sabe quando você se torna a chata do rolê? A ‘espalha roda’? Pois é. Isso acontece comigo. Mas, tô tentando aprender a lidar.
Alessandro Buzo: O que te motiva a lutar pelo próximo?
Jéssica Balbino: Acho que vem da personalidade, né? Eu não suporto injustiça. Então, aquilo que dói em mim também, transformo em luta. Isso se aplica ao hip-hop, que sempre foi um pilar, seguido da literatura e através disso tudo, conheci o feminismo, pela Frente Nacional de Mulheres do Hip-Hop (FNMH²) e o empoderamento que vem através disso é irreversível. Você começa a enxergar o que está errado e eu sou ‘mulher elétrica, 3 mil volts’. Não consigo parar. Eu quero mudar o que está errado. E só sei fazer isso lutando.
Alessandro Buzo: #NãoPoetizeoMachismo ...... Valeu a pena? Trouxe resultados positivos?
Jéssica Balbino: É importante dizer que eu não sou a única articuladora da campanha #NãoPoetizeoMachismo. Ela surgiu naturalmente por meio de várias mulheres que se sentiram, em algum momento da trajetória, ultrajadas nos espaços culturais, por atitudes machistas. Eu não estou mais à frente do movimento que foi criado, mas acompanho.
Valeu a pena sim. Foi muito importante para todas as mulheres que se conectaram com isso, ver que elas não eram as únicas, que elas não estavam sozinhas. Quase simultaneamente surgiu a campanha #MeuAmigo Secreto, que fez relatos semelhantes e que nos uniu ainda mais. Foi importante identificar o modus operandi de alguns homens, que fizeram várias vítimas nesse circuito de saraus. Foi legal pra gente entender também como se defender.
O que fica, disso tudo, é que como um relato de abuso pode ser empoderador e que não devemos, nunca, nos calar. Que a mulher tem que falar. Tem sim, que fazer um escândalo. Quando uma mulher relata um abuso sofrido, outra, que nem encarava aquilo como abuso, passa a enxergar que também foi vítima. E assim, conseguimos romper com o ciclo do machismo na sociedade.
Alessandro Buzo: Sofreu represálias, se sim, como encara isso?
Jéssica Balbino: Eu posso falar por mim. Eu sofri represálias, sim. O que mais machuca é saber que os homens que frequentam os saraus são caras que conhecem a nossa luta, que estão conosco no dia a dia, que se tiverem qualquer dúvida sobre machismo, vão poder nos questionar a qualquer momento, e vamos ter uma conversa franca, e foram estes mesmos homens que abusaram da gente, diretamente. São homens que lutam contra a opressão dos negros, dos pobres. Que tem o poder da palavra no microfone, no megafone, nos livros. E que clamam e bradam por justiça o tempo inteiro, mas que nos cantos escuros, abusam das mulheres. A agressão veio de homens que considerávamos irmãos de luta. E isso foi o que mais machucou.
E claro, estar próxima disso tudo. Estar lutando pelas mulheres, mas trabalhando com homens, rendeu ameaça, amizades rompidas, certezas lançadas pela janela. Mas eu encaro isso como um processo natural. Quando eu tirei uma foto escrito no meu corpo #NãoPoetizeoMachismo, sabia que estava dando a cara a tapa e indo pro combate.
Combate este que incluía gente bem próxima. Amigos que eu considerava como irmãos. Mas era inevitável. Tudo na vida são escolhas, são posicionamentos. Eu escolhi me posicionar como mulher, muitas vezes agredida por homens nos saraus, e quando eu falo agressão, são várias as formas. Silenciamento, convidar mais homens que mulheres, só dar destaque pra homens na hora da foto, agradecer todo mundo, mas esquecer da mulher que fez todo o corre bruto, preterir mulheres, não ouvir quando elas vão ao microfone, fazer poesias machistas, agarrar à força, xavecar, tentar olhar a calcinha, encoxar sem querer, abusar sexualmente, psicologicamente, entre outras coisas. Mas, muitos homens se negaram a reconhecer seus lugares de opressões, a mudar, etc. Muitos só disseram: borandar aqui pra frente. Sim. Nós vamos andar de agora em diante, porque não dá pra mudar o passado, mas a gente pode rever onde errou e tentar mudar, tentar compensar o erro. É igual o branco que escraviza o negro e depois de anos diz: desculpa, tá aqui a sua lei áurea. Ok. Mas e ai? Esse negro faz o que com o tempo que perdeu? Com a liberdade agora?
Foi o que muitos homens do rolê fizeram com as mulheres. Mas, valeu a pena sim. Toda forma de empoderamento feminino vale muito a pena. Eu tô ainda bem machucada com tudo isso. Deixei de frequentar espaços que eu frequentava por algum tempo. Mas também tô forte. Tô pronta pra seguir lutando.
Alessandro Buzo: Cite 3 coisas boas de 2015 ?
Jéssica Balbino: 1º - A marcha que as mulheres fizeram contra o deputado Eduardo Cunha e o projeto de lei que pretende dificultar o acesso ao aborto em casos de estupro. Milhares foram às ruas. E isso significa empoderamento.
2º - O fortalecimento e expansão do meu projeto Margens (www.margens.com.br) que mapeia as mulheres que escrevem em todo o Brasil.
3º O aumento no número de publicações vindas de escritores periféricos.
Alessandro Buzo: Quais seus planos pra 2016, culturalmente falando ?
Jéssica Balbino: A ideia é encerrar minha pesquisa – que é também minha pesquisa de mestrado – que tem como objetivo mapear quem são as mulheres da literatura marginal/periférica no Brasil. Já criei um mapa, ainda provisório, disponível no (www.margens.com.br) e neste mesmo endereço estou construindo uma reportagem 360º sobre o tema. A ideia é romper com os muros da academia e transformar a pesquisa em algo acessível pro público, pra massa, pra quem está participando. Tem sido intenso, desgastante, mas muito gratificante. Conheci mulheres incríveis e que fazem uma literatura excelente.
Alessandro Buzo: Pra finalizar, vem mais luta por ai ? Quais......
Jéssica Balbino: As lutas não param, né. Acho que sobreviver no Brasil, vivendo de arte e cultura, sendo mulher, gorda e periférica já é uma luta diária. Não dá pra prever o que vai acontecer, mas sabemos que politicamente temos bancadas que querem exterminar negros, pobres e limitar mulheres a serem objetos de satisfação do desejo masculino, sem direitos, portanto, vamos seguir nas mesmas pautas. E eu, na vida pessoal, sigo com o projeto Margens, que tem sido a prioridade e que, indiretamente, fala sobre tudo isso, por meio das poesias feitas pelas mulheres.
No mais, agradeço o carinho, o espaço e a amizade.
Jéssica Balbino e Alessandro Buzo
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obrigada pelo espaço, amigo!
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