segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Entrevista exclusiva com a poeta Michele Santos que lança seu primeiro livro: Toda Via,

Ela é mulher, poeta, periférica do Grajaú, zona sul de São Paulo. Também é professora e acaba de lançar livro, nessa entrevista exclusiva, Michele Santos fala dela e do seu livro.



Fotos: Alessa Melo

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Alessandro Buzo: Quem é Michele Santos por ela mesmo?
Michele Santos:
Também gostaria de saber (risos). Talvez escreva pra saber. Sei lá...alguém que tenta. E intenta um bando de coisa. Canceriana, dada a melancolias, coisas de água e de céu. Fez da palavra porto, ponte, arma. Utópica. Idealista. No mais, digam vocês que me sabem. De mim ainda estou me aprendendo.


Buzo: Nos fale do seu recém lançado livro Toda Via,?
Michele Santos:
“Toda via,” é meu primeiro livro. Cria da cena literária independente, materialização dum sonho antigo, poesia de fé minina lapidada no sensível.



Buzo: Como a poesia entrou na sua vida?
Michele Santos:
Desde muito bem pequena sou dada a leitura. A aluna nerd, sabe? Então. Daí teve uma época em que lá em casa não tínhamos tevê, por questões religiosas de um determinado momento (minha família é evangélica). Essa época penso que foi crucial. Tinha um ônibus-biblioteca, que ainda hoje existe no mesmo lugar, na pracinha da Vila São José, ao lado da escola em que estudava. De curiosa, fui lá, fiz a carteirinha e pegava livro toda semana. Essa experiência me inaugurou lances como criticidade e construção de um senso estético na literatura. A poesia, de fato, entrou junto a prosa, meus primeiros poetas lidos saíram de uma coleção antiga lá de casa que era da época dos vendedores de livro porta-a-porta, chamada “Poetas Românticos do Brasil” (tenho até hoje essa coleção, virou um patuá poético-afetivo). Então, dá-lhe Bilac, Gonçalves Dias, Castro Alves, Álvares de Azevedo...a poesia contemporânea veio bem depois. Mas, de certa forma, sempre esteve. Fui uma daquelas crianças contempladoras, caladonas. Não sei se porque já via poesia nas coisas do cotidiano ou porque enxergava o mundo borrado (minha miopia, bem alta, só foi diagnosticada aos 9 anos). E a poesia é isso tudo o que há, esse peixe-mundo. O poema bem tenta fisgar, mas nem sempre o poeta está num bom dia de pesca.


Buzo: Você é do Grajaú, como é ser mulher, poeta, num bairro periférico de São Paulo?
Michele Santos:
Isso dá um trabalho, viu...o ser poeta é mais bacana que o ser mulher, por ora. Digo do ponto de vista da contemporaneidade em que estamos inseridos. Enquanto estou poeta, geralmente atuo num meio cultural com outras pessoas em que, espera-se, falam a mesma língua. E nesses lugares sinto haver algo de voz, visibilidade, respeito. Enquanto sou mulher, a briga é a todo tempo, e corre das tirações cotidianas à nossa liberdade tolhida. Donde geralmente sou a chata do rolê - mas como não? A periferia é lotada de mulheres fortes, guerreiras, um bando de trabalhadoras bonitas, mas inda somos o sexo à parte, final de semana é a mesma cena, mulherada-na-cozinha, homens-no-churrasco, isso pra ficar no prosaico, porque se entramos na questão da violência a coisa piora. E quando falo em violência, vai das piadinhas misóginas “que não machucam ninguém” aos machucados físicos. Por outro lado, com a primeira condição exposta (“ser poeta”) junto a uma terceira, não citada na pergunta, que é o “ser professora”, consigo considerar estes aspectos para uma educação não sexista, para o empoderamento de minorias, para a construção de transformações sociais que, se não resolvidas agora, é luta perene de plantar semente prum futuro equalitário e justo. E vamos falar de homofobia, transfobia, mulheres negras, indígenas, diversidade, sim! É uma visão romântica, mas como sobreviver a estes tempos árduos sem um quê de sonho? A gente é o que sonha.


Buzo: O Grajaú tem muita cultura, de lá saiu CRIOLO, tem Terra Preta, Eduardo Facção, Pagode da 27, Sarau Sobrenome Liberdade.... entre outras coisas, sempre foi assim ? Como você vê essa cena?
Michele Santos:
Nem sempre foi assim, mas o que tá rolando hoje é de uma beleza ímpar. Recentemente o pessoal do Sarau do Grajaú lançou um documentário (“Grajaú em Foco”, atualmente em exibição pelos saraus da região) que me materializou a importância das nossas ações na região a partir desse distanciamento provido pelo registro. Das coisas que acho mais bacana é ver que a molecada tá mais ligada em arte, cultura, música. E não só consumindo, mas produzindo também. É importante existir essa voz. É como um grito de “nós existimos”, sabe? E somos pensantes! Essa transformação só o futuro pode nos dizer no que vai dar. Mas já estamos sendo e vendo mudança.


Buzo: Qual a sua atuação no Sarau Sobrenome Liberdade?
Michele Santos:
Nos revezamos na condução do sarau, que atualmente conta com uma lojinha de livros, cd’s, camisetas e etceteras de artistas independentes pra fortalecer a cena, um bate-papo inicial com os artistas que estão lançando na noite antes da apresentação do sarau e por vezes encerramos com uma atração musical. O Sobrenome Liberdade completou recentemente 3 anos e foi uma idealização do escritor Ni Brisant junto ao Damásio Marques e outros poetas que foram somando-se ao coletivo. Hoje somos quatro pessoas na lida de um movimento que, a bem da verdade, não nos pertence, o sarau é das pessoas que o frequentam, que acompanham, que fortalecem o consumo da arte independente, periférica, e mantém viva essa ânsia por arte num espaço geográfico carente de iniciativas artísticas.


Buzo: As mulheres tem se posicionado contra o machismo, qual sua posição quanto a isso ?
Michele Santos:
Estamos juntas! Acredito que todo mundo na cena dos saraus acompanhou o movimento “não poetize o machismo”. E como toda ruptura, rasga, abre ferida. E não foi fácil, não está sendo. Acontece que as mulheres estão nos saraus, estão produzindo e não aceitamos mais comportamentos misóginos e de refutação a nossa visibilidade. Parece fácil falando, mas você veja, por exemplo, ainda existe a poetisa como figura dum inconsciente coletivo que alude à moça que faz poeminha fácil de amor. O problema aqui nem é o amor, critico não a temática, mas essa passividade que se espera de nós. Não, queridos, nossa arte não é menor, não é medrosa, não é fácil. Por isso incentivo e apoio a produção feminina – e feminista. A gente não é só público, a gente publica - e quer nosso espaço. Aconselho saberem sobre o Projeto Margens (http://margens.com.br/ e no facebook: https://www.facebook.com/pelasmargens/ ), mapeamento de escritoras que é também tese de mestrado e um projeto lindo de visibilidade pra escrita feminina.


Buzo: O que você gosta de fazer em São Paulo e no seu bairro?
Michele Santos:
Shows, parques, saraus, a sala da minha casa cheirando a café com livros abertos ou um texto em construção. Acho que por trabalhar em escolas nas imediações, não consigo fazer muito bem essa separação São Paulo/bairro. O centro é rápido, me dá urgências, muitas vezes me sinto até “bairrista”, me conforta estar no meu canto (e a quem não?). Me rememorou um poemeto meu: “A cidade me selva”. É isso.


Buzo: Como está sendo divulgar, lançar e espalhar por ai o Toda Via,?
Michele Santos:
Sendo uma obra independente, a divulgação e distribuição finda por ser um corre nosso, aquela coisa do “nós por nós”. Tenho feito lançamentos em alguns saraus, divulgado a página do livro na rede...não posso esquecer dos parceiros que têm dado uma força grande, divulgando e construindo pontes pro livro chegar mais longe. Chamo-os de “a gente literários” (assim mesmo, separadinho), uns amados, esses. Tenho recebido também uns retornos incríveis, sentido que os poemas ali têm tocado os leitores e o quanto é imensurável essa sensação de que a poesia tá cumprindo seu papel. Gratidão que não cabe dentro.


Buzo: Quais seu autores preferidos ?
Michele Santos:
Essa é difícil. Geralmente são os últimos que me pegam...não vou citar nomes porque sei que vai faltar gente, e tem muita gente boa, e o maior barato é que a maioria é gente que conheço – num é delícia isso? Então vou citar os autores dos dois últimos livros que me deram esse punch, na prosa o Luiz Rufatto com o Flores Artificiais, que é escritor aqui de SP, e na poesia, Regina Azevedo, poeta do RN que a gente conhece e fica de cara com a maturidade da escrita em tão pouca idade, recém completou 16, com seu Carcaça.


Buzo: Três coisas boas de 2015 ?
Michele Santos:
O processo de construção e lançamento do livro, ter revisto minha avó em Alagoas num período difícil do ano em que eu precisava de nortes (literalmente) e de ser acarinhada, o levante dos estudantes contra o fechamento das escolas estaduais.


Buzo: O que espera de 2016 que se inicia e quais seus projetos ?
Michele Santos:
Seja um ano bonito pro Toda via, - logo, muito trabalho à frente, além da trabalheira já cotidiana que é atuar na educação. Prum futuro próximo já adianto que rolarão algumas coisas em prosa, mas de verdade mesmo, projeto viver bem o presente das coisas.



Buzo: Considerações finais e um salve pra quem vai ler essa entrevista ?
Michele Santos:
Leiam meu livro, mas não só ele. Procurem saber dessa cena literária, artística, que não consta do catálogo das grandes livrarias, procurem saber dos zineiros, dos artistas locais, dos ativistas. O best seller muitas vezes é uma construção midiática, artificial. Tem coisa boa além das pontes que separam os centros das margens. No mais, forte abraço a quem chegou até aqui e espero vê-los nos por-aís da vida.

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